quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Do que a gente precisa para mudar de vida?

Um choque elétrico?
Um chacoalhão?
Um grande amor?
Uma desilusão?
Uma fantasia?
Um furacão?
Um assalto ao banco?
Uma decisão?
Um atropelamento?
Um sim e um não.

(11.12.2007)

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Moratória

Desejo de sexta à tarde: um momento aberto, profundo e belo como um céu azul.

Com brisa, por favor.

(30.11.2007)

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

O moço de farda

O moço de farda pega ônibus às 9h da manhã. Não se sabe para onde vai àquele horário, junto com outros moços de farda. Que me conste, é horário para homens de farda estarem em serviço, não andando pela cidade, desarmados, em "ônibus civis". Mas o moço de farda, acompanhado de outros dois moços, está descendo a Brigadeiro num ônibus mais ou menos cheio, atravancando um pouco a passagem de quem entra, formando com seus colegas uma aglomeração verde-oliva antes do cobrador. Ele tem olhar discreto e tranquilo, diferente do que se pensa dos moços de farda em geral. E, mesmo com o rosto impassível e olhar distante, chama a atenção das moças, de cima de sua altura morena.

O moço de farda vira as costas para o rapaz que distribui canetas contando aos passageiros - que olham pelas janelas - a história longa de como conseguiu se livrar das drogas e de como a participação de todos ajudará outros a se livrarem também, graças a Deus. De repente, silencioso, o moço de farda aborda o rapaz e estende a ele uma moeda de um real, sob os olhares e a concordância de seus colegas.

Os moços de farda, inclusive aquele de olhar tranquilo, descem no final da avenida e vão para algum lugar da cidade. O que farão? Pegarão em armas? Engrossarão exércitos? Carregarão cestas básicas? Subirão o morro?
E o que acontecerá, naqueles tempos, com o olhar manso no rosto cercado de verde-oliva?

(29.11.2007)

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Ovelha negra

Sou ovelha negra dessa bolha em que vivo por vontade própria.

Ovelha negra das pessoas que passam por mim apressadas, em busca do ônibus que pára no ponto.

Estou ovelha negra na cidade, no Natal e no mês que demora a passar.

Sou ovelha negra das idéias da família, da compaixão, da dor da saudade e da pena.

Sou ovelha das notícias do jornal, do desencanto e da esperança teimosa.

Chego em casa no final do dia e vejo um céu limpo lá fora, longe do mundo ovelhal.

Negras são as percepções, escuras como uma noite limpa.

As lembranças, até elas, voltam somente para mostrar meu próprio potencial ovelhístico.

Imperceptível, estou ovelha negra de mim mesma.

Estranha e inserida. Estou em gestação.


(27.11.2007)

terça-feira, 23 de outubro de 2007

I've got to break FREE

Estou 6 kg mais magra.

Ganhei de volta uma calça que ia dar embora, porque não servia em mim.

Estou cercada de amigos e pessoas que amo. E que me fazem rir!

Tenho liberdade de escolher para onde ir, e sei como chegar até lá.

Importo-me com o que os outros pensam e sentem. E não tenho vergonha de dizer isso a eles.

Sou correspondida em meus amores mais perenes. Amigos, família, eu mesma.

Então, chegou o fim definitivo da insanidade.

Perdi o medo do pé na bunda. De levar e de dar, quando preciso.

Não vou mais sustentar situações sem lógica. Ainda que seja a lógica do desejo. O desejo broxa quando faltam a lógica da ética, do respeito, do afeto.

E não estou nem um pouco preocupada. Pela primeira vez. É leve o fato de estar feliz, a sós com a pessoa que mais gosta de mim no mundo: EU.

Dane-se o medo de desperdiçar chances imaginárias. Foda-se a crise dos 30.

Falta de senso, eu tenho preguiça de você.

Se ser adulto é saber dizer adeus, bem-vinda, maturidade.
Eu te amo, eu mesma. Vamos lá fora, que o sol está brilhando.

(23.10.2007)

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

É crise, querida!

Diz o sábio: no meio do redemoinho existe uma borboleta. Uma borboleta bela e colorida, que voa calmamente, rodeada pelo mundo que gira em insano movimento. Se você encontrar a borboleta, encontrará o segredo da vida.

Não achei que fosse chegar a escrever um post sobre esse assunto. Para mim, alimentar um conceito como "a crise dos 30" já é, em si, uma crise. Cansei de ver outras pessoas - especialmente mulheres - chegarem a essa idade e sofrerem com a famigerada, a loura do banheiro que espreita o balzaquiano momento. Tudo bem, eu também tinha medo, quando dos meus 20 e poucos anos, de chegar a essa idade. Achava que, quando alcançasse o limiar dos "inta", já teria que ter umas tantas coisas realizadas na vida, suficientes para me tornar uma "adulta" respeitável, sem terrores ou frustrações. Mas, com o passar dos últimos anos, fui achando que esse negócio era balela. Encanada por natureza, crises já tive muitas. Aos 10, aos 15, aos 20 e aos 25. Grande parte, se vê depois, formada em seus 90% por motivos imaginários ou de pouca importância real. Cada uma delas, superada de forma um pouco melhor do que a anterior. Com os 30 vai acontecer o mesmo, pensava. Nada de "ó que saudade dos velhos tempos", nada de "não fiz o que queria até agora".
Mas é claro, somos humanos e ninguém está livre de uma ou outra encanação de vez em quando. Especialmente quando um feriado programado não dá certo, quando a gente se depara com alguma injustiça (nossa ou de outros), quando a sensação de "não tem jeito" nos invade. Quando a gente vê que o tempo passou e a gente não percebeu. Pode ser alguém inesperado se casando, pode ser uma foto de pessoas queridas que não vemos há tempos, pode ser uma roupa rota que a gente comprou "ontem mesmo". Qualquer coisa que nos traga a constatação: o tempo passou. Continua passando, inexorável. E nessas horas a gente acaba fazendo nossos mini-balanços.

Os amigos em volta acompanham. Aqueles que também andam se sentindo acuados pelos ponteiros do relógio. "Eu sou muito chato?", pergunta um deles, companheiro do papo online no feriado. Não, querido, nada disso. É só um dia um tanto vazio, em que gastamos nosso tempo revisando pensamentos. Logo passa, não se preocupe.
A gente conversa com os amigos enquanto procura também aquietar as próprias indagações, as crises de choro que nem a gente entende. Estranho sentimento esse, de saudade misturada à certeza de ciclo encerrado. De que se quer bem a pessoas e coisas e, ao mesmo tempo, é inevitável seguir em frente. Nada é poupado das dúvidas: será que estou com a pessoa certa? Ou por que raios não encontro a pessoa certa? Será que estou na profissão certa? Será que o que eu faço realmente contribui para a sociedade? Será que afivelo as malas e caio na estrada? Será que continuo economizando ad eternum para contrair outras dívidas eternas? Onde está a borboleta no meu redemoinho?

Acho que não existe idade para encontrá-la, essa é a verdade. E esses momentos de crise, a meu ver, têm a função importante de nos empurrar à limpeza, àquela peneirada que precisamos fazer de tempos em tempos na vida, dedicindo o que fica e o que tem que ir embora. Acreditar no contrário, que se tem que estar assim ou assado nesta ou naquela idade, é uma das maiores prisões que inventamos para nós mesmos. Assim como os "30" me atemorizavam uns poucos anos atrás, vejo exemplos e mais exemplos de pessoas que chegam aos seus 40, 50, 60, 90 plenas de alegria e leveza no coração, mostrando a verdadeira sabedoria de passar pela vida.
Todo o resto - o pesar, o arrependimento, o que nos aprisiona em vez de nos fazer crescer - precisa ser mais psicológico do que real. Quem me ensinou isso foram as crises anteriores. O mundo é grande demais, assim como nós somos grandes demais, para perder tempo com problemas imaginários. Se algo não deu certo até aqui, toca mudar. Se deu certo e a gente sente saudades, que bom, quer dizer que empregou-se bem o tempo. Se falta alguma coisa que a gente já queria ter conquistado, bora buscar. Se os bons tempos não voltam mais, outros virão, ainda em branco, esperando que, com o aprendizado, os tornemos bons também.

Difícil até concluir algo, no meio de tantas variáveis. Mas agradeço pelos tantos caminhos que se abrem no horizonte, uma vez mais. Que a vida, essa deusa em mutação, nos leve aos próximos ciclos... e que os próximos feriados sejam mais belos e interessantes. :)
(12.10.2007)

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Ser feliz ou ter razão?

A pergunta tão crucial me foi apresentada – e celebrizada – pela Paulinha, nos idos e bons tempos de Santíssimas ainda ativas. Já a ouvi também em outros lugares, por outras pessoas. E de novo, há cerca de dez dias, ela se apresentou para mim em visita a pessoas sábias e amigas.

A verdade é que, nos últimos tempos, essa pergunta não tem me abandonado. Desde uma grande sacudida no final do ano passado, e passando por todas as situações-limite que tem se apresentado a mim, uma após a outra, nos últimos doze meses. Vem tingida pelos ânimos do momento: às vezes filosófica, às vezes libertadora, às vezes dolorida. E de novo eu me vejo na impossibilidade de responder a essa simples pergunta, que resume em si algumas das grandes angústias da humanidade.

Difícil constatar que o que nos faz felizes e o que é “certo” podem, muitas vezes, estar em campos opostos. A escolha entre a consciência e a vontade louca de voar, o pasto de todo dia ou a liberdade de correr mundo. Optar entre se entregar a um sonho, assumir os riscos de uma aposta puramente emocional ou viver o cotidiano arrumadinho, previsível, com suas obrigações e suas plantas na janela.

Afinal, que perguntinha perniciosa, essa. “Ter razão” pode significar também uma razão cega, aquela que nos torna irredutíveis para a razão dos outros. Uma razão que, muitas vezes, nem é nossa, mas baseada na visão de outros sobre que devemos ou não fazer.

Mas pensando bem, isso é ter razão? E ser feliz, o que é? Afinal, ser feliz compreende também cultivar valores, ideais que nos são importantes, que muitas vezes são responsáveis pelo melhor de nós. Ter razão, para mim, significa principalmente ter razão diante do que a gente é – afinal, lá existe razão absoluta? –, diante do que pretendemos para a nossa vida, diante de nossa essência mais profunda. Aquela que nunca irá nos trair, que nos levará a caminhos autênticos, talvez não tão fáceis, mas certamente coerentes com o que precisa nossa alma, e com o que ela tem também a oferecer de melhor aos outros. Sim, porque não se pode ser verdadeiro com o outro apresentando a ele uma máscara. Essa deveria ser a verdadeira ética interpessoal.

Talvez a verdadeira razão, essa razão mais escondida, não seja incompatível com a possibilidade de ser feliz. Talvez seja, mesmo, imprescindível.

Vai ver, por isso é tão difícil ser feliz: depois de anos acreditando que se é uma planta na janela do apartamento, a gente se apavora com a possibilidade de ar fresco. Não sabe o que fazer diante de um horizonte aberto. Não consegue mais encontrar, dentro da gente, nossa verdadeira razão. O Sol, lá fora, continua sendo um só – mas nós, acostumados a dividi-lo em quadradinhos, não conseguimos mais enxergar o azul do céu que ele pinta.

Talvez a missão seja essa: juntar a felicidade à verdadeira razão, nesse labirinto que somos, moldado por tantas mãos ao longo da vida.

(03.10.2007)

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Lições da fisioterapia

Quando comecei os exercícios, achei que meu maior trabalho seria o de me equilibrar novamente sobre minha perna sem sentir dores. Imaginei que meus ossos e músculos se ressentiriam, depois do longo período de paralisação. Realmente, eles estranharam a demanda de esforços. Mas, depois dos primeiros dias, as dores foram diminuindo aos poucos, tornando-se apenas avisos preventivos de quando se avança o sinal do caminhar. Na ânsia da cura, mesmo as dores dos ossos se tornaram cooperativas.

Mas, no meio do caminho de volta, outra parte do corpo resolveu dar o alarme. Meu joelho se ressente loucamente do esforço que lhe é exigido. Inchado, acorda-me no meio da noite, reclamando. Endurece, se negando a trabalhar. A pele magoada ainda não sente frio ou calor. É meu maior desafio, minha maior fonte de esforço e suspiros, na tentativa de dobrar a perna sem dores.

Intrigada, pergunto à fisioterapeuta o que isso significa, uma vez que o joelho, teoricamente, saíra ileso da trombada que me derrubou há mais de mês. Se até os ossos já se readaptam a suas tarefas, por que esse ressentimento? A resposta: no impacto, tudo ali dentro, base da articulação, se desestruturou. Ainda que nenhum ligamento ou osso tenha sido rompido, agora ele precisa achar sua posição de novo para voltar a trabalhar direito. Isso pode demorar. E pode doer.

É assim mesmo: nem sempre aquilo que se rompeu, e que merece nossos maiores cuidados, é o que causa maior preocupação. Com o tempo, os verdadeiros motivos de alarme podem surgir sorrateiros, em áreas periféricas - e tão estratégicas quanto insuspeitas.

19.09.2007

domingo, 16 de setembro de 2007

Desce o pano

Mãe, estou aqui.
Estou aqui de pés descalços, como convém.
Vim de alma lavada, na areia, na beira do mar.
Meus pés descalços estão em todos os lugares, na praia, no corredor de casa. Em lugares por onde já passei. E estão também no assoalho frio do banheiro, que visitei esta manhã.
Esta manhã, Mãe, enquanto o mundo dormia, me levantei e fui com meus pés descalços até lá.
Senti o chão frio e isso que me fez bem. Há tempos não sentia o frio com meus pés.
E depois da noite difícil, vi um pequeno pedaço do caminho indo embora.
Na manhã do chão frio, olhei meu rosto no espelho.
Depois, abri a torneira e lavei meus machucados todos. Lavei o rosto, o corpo. Deixei escorrer da alma qualquer coisa que não fizesse mais sentido. Todos os enganos, tudo que não prestava mais. Tudo que eu não sou, tudo em que eu não acredito.
Depois, ainda tonta, voltei para a cama. A cabeça doía. Mas estava mais leve.
Mas eu sabia que, quando o dia começasse, o mundo seria outro. E o caminho, ainda que difícil, seria mais claro.
Aprender pela dor é difícil, Mãe.
Mas quando se aprende, até as dores podem se transformar em bênçãos. Que marcam, mas que livram as mãos. E os pés também, prontos para voltar a caminhar.

(16.07.2007)

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Lembrete permanente

É bom ter valores. E não esquecer deles.
É bom se sentir bem com o que se diz e com o que se pensa.
É saudável se sentir coerente com a gente mesma.
É bom ter paz de espírito.
É bom ter coragem de buscar coisas que façam bem pra gente.
É saudável não levar desaforo pra casa, de vez em quando.
É bom argumentar quando a gente discorda.
É bom lembrar que nem sempre todos os ovos estão na mesma cesta.
É bom distribuí-los em várias cestas. Amigos, trabalho, amor. E distribuir bem, pra que não se perca todos de uma vez se alguma delas cair no chão.
É bom ter amigos bem escolhidos. E lembrar sempre do por quê a gente os escolheu.
É bom lembrar que não há feridas que não cicatrizem, se a gente estiver realmente a fim de se curar.
É bom confiar nas pessoas. E não há nada, nada mesmo, que pague ou substitua a confiança do sentimento.
É importante saber esperar. É válido tirar as provas.
É importante saber a hora e a precisão de caminhar.
E é bom voltar para casa. A casa da alma da gente, onde a gente mesma mora.
E ver que ninguém está sozinha consigo mesma, se o recheio da gente mesma vale a pena.

(13.09.2007)

domingo, 9 de setembro de 2007

Descontrol... pero cumplidora

Tem horas em que a gente se sente pequena. Parece que todo nosso aprendizado, todas as coisas que a gente passou anos tentando colocar na cabeça para ser alguém melhor, mais amadurecido, mais centrado, somem como por encanto. A gente volta a ter 5 anos de idade - ou 15, o que pode ser ainda pior - e todos os medos, inseguranças, carências invadem nossa alma de novo, com força total. A gente deixa de ver tudo de bom que está acontecendo à volta, as pessoas que estão do nosso lado, e as voltas por cima que já deu em relação a tantas coisas. Entra num redeominho que faz um scandisc não-desejado no nosso cérebro, e por um tempo a gente deixa de ser quem é, de fazer o que estava acostumada, de sonhar o que costumava sonhar. Manda a paciência às favas, dane-se que podia ser pior, eu sei é que podia ser melhor e por algum motivo eu não consigo chegar nesse melhor, por mais que eu nade, por mais que eu lute, a gente pensa.

Daí, no meio da tempestade, uma palavra, uma imagem, uma foto, um afago faz a gente lembrar dos tempos de paz que a gente abandonou. E por um momento, a gente percebe que tudo aquilo tem salvação: que há coisas maiores e mais belas esperando a gente. Mãos pra nos puxar na tempestade, nos sentar no canto do ringue e jogar um pouco de água fresca na nossa testa.

E a gente se sente aliviada por saber que há coisas que nunca mudam, gente querida que nos ama apesar e por tudo. A gente se sente como a criança que ganhou colo, que foi solta pra brincar na grama. E de repente, a gente quer a vida nossa, nossos sonhos todos de volta. Dá vontade de chorar. Mas a gente sabe que, depois que toda a chuva passar, não importem os efeitos da correnteza, sempre vai ter um lugar onde poderá respirar ar fresco. Sempre vai ter alguém te esperando pra te ajudar a dar outro passo.

Que bom ter esses presentes. Que bom poder lembrar, e saber que se pode renascer. :)

(09.09.2007)

sábado, 8 de setembro de 2007

Setembros

Depois dos tempos de adolescência, dei pra pegar birra desse mês, sem saber direito por quê. Sentia-me mal, numa espécie de limbo. O meio do ano já pelas costas, com suas festas, feriados, expectativas. O final do ano ainda por vir, com suas conclusões triunfais, balanços e concretizações. Chances reduzidas de pôr em prática o que ainda não tinha decolado. Ainda cedo para festejar qualquer coisa. Angústia de estar em lugar nenhum.

Foi assim em todos os últimos anos. Tentei vários recursos – nem férias tiradas no período ajudavam a reduzir a inquietação. Ano passado, porém, os preparativos da viagem, se não curaram a paranóia, pelo menos fizeram com que tudo passasse mais rápido. Na volta, já em finais de outubro, outra sensação me invadiria. Uma inquietação ainda maior, de não achar lugar no espaço, dessa vez. Olhava a decoração já montada para o Natal, que se avizinhava, e me sentia uma estranha. Para mim, depois de tantas reviravoltas na alma, um novo ciclo apenas começava. Que ares de final de festa eram aqueles?

E veio um novo ano. Cheio de surpresas, boas que se tornaram não tão pródigas, ruins que se tornaram um tanto melhores. E setembro me apareceu agora de um jeito acidentado, se aproximando sem que eu me apercebesse dele. Entro no mês com nova expectativa: para quem está afastada de tudo – ou quase tudo – ele vem com ares de volta para casa, uma volta vagarosa e tenaz.

A alma da gente é estranha: precedendo uma grande alegria, ano passado, meu setembro foi ainda pesado. O final do ano, sob a sombra da felicidade distante, quase um estranho em visita. Mas nesse ano, depois de tantos terríveis repentes, setembro chega com ar mais amável. E, tenho certeza, meu final de ano virá com jeito bem mais feliz.

(08.09.2007)

domingo, 26 de agosto de 2007

Explosão

O espaço é belo. Quando a gente está voando, fica sem fôlego. Mas não de angústia. É a euforia de estar fora do chão, de explorar mundos novos. De ver nossa alma crescer, em êxtase, tão rápida e forte que não é possível registrar com pensamentos. A sinfonia de estrelas ao redor colore os olhos, em contraste com o azul quase negro, profundo e belo. Maravilha de se sentir ilimitado. De estar em um lugar onde tudo é claro, limpo e verdadeiro. Ali, nada pode nos atingir. Ao redor, só a imensidão. E a alma também imensa.

Mas o espaço também é lugar onde só se pode ir com roupa especial. Pois, para além da euforia, não há ar. A natureza do espaço é ser vácuo. No vácuo circula o belo, o surpreendente e também o mortal. Para conhecer o espaço, é mister o lastro. Lastro que nos puxa ao chão quando estamos soltos na amplidão, quando perdemos o senso e queremos nos fundir com o vazio, com a maravilha de estar livre, de ser só alegria. Lastro que nos impede de morrer, fora da natureza de animais bípedes que somos. Lastro que nos faz entrar na cápsula e voltar à terra, ao ar que nos nutre, discreto, sem que vejamos.

A cápsula, ao entrar na atmosfera, se transforma em fogo. Hora dramática para o astronauta: ele vê sua amplidão queimando, os sonhos feitos em gás incandescente. Dando espetáculo no céu, se consumindo. Morrendo.

Ele volta à Terra. Volta para o ar, a comida de todos os dias, suas raízes que o fazem viver. Ele reaprende a apreciar a dança lenta da natureza terrestre, do crescimento a que pertence.

Mas sua alma é outra. Ele agora vive com os olhos voltados para o céu. Lá onde está o sonho, a amplidão. Dividido entre as raízes que o nutrem e as asas que sonha ter.

No meio do caminho, a lembrança da explosão de luz. De seus sonhos, que tiveram na claridade a hora de maior verdade e beleza. Quando estavam no limiar do céu, sua casa. Quando se despediram.

"Uma astronave decola mediante uma explosão (fundamental), orbita em volta da Terra (pela Lei), executa todo o seu trabalho (escolha) e depois tem que retornar (missão). Segundo relatos, a reentrada na Terra é a experiência mais terrível para um astronauta, porque literalmente ele fica envolto em uma cápsula de fogo.
Se você decolou, vai ter que reentrar..." (de um amigo que sabe das coisas)


(Publicado originalmente em 26.08.2007)

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Fora do tempo

Às nove horas e quinze minutos do dia 7 de agosto, terça-feira, o acaso me pegou desprevenida. Eu acabava de ganhar a rua, emergindo do metrô, mas ainda imersa em preocupações. Três, pelo menos, que me roubavam a paz naqueles dias. Misturando-se a elas, iam pensamentos mundanos: o happy-hour do dia seguinte, a blusa que eu usava naquele dia pela segunda vez, os cartazes do curso de inglês na parede, o bilhete único ainda descarregado, os presentes para o final-de-semana. E a visão do ônibus que eu deveria pegar, parado na esquina, esperando o sinal abrir. Separando-me do ponto onde ele passaria, uns vinte metros e a Rua Augusta.

Decido ganhar tempo. O tempo é precioso nesta manhã. Posiciono-me entre as pessoas que esperam para atravessar a Augusta. Tento ficar entre as primeiras da fila. O trânsito é pesado. Quando os carros param de subir a rua, dou um passo. Viro meu pescoço para olhar para o outro lado. Vejo algo se avolumando a milímetros. Não tenho tempo de registrar o que é. Ouço uma pancada surda. Ouço também gritos atrás de mim.

Algumas pessoas me ajudam a deitar no chão. Uma moça segura minha mão, fazendo perguntas para me manter consciente. Um rapaz grita para que a moto pare. Um bombeiro toma nota do meu nome, do telefone da minha família. Olho para cima e vejo, de baixo, os ônibus e carros me contornando, tentando ganhar a Paulista que está logo ao meu lado. Uma pequena multidão ao redor, e os prédios se avolumando sobre mim. O céu é claro.

Foi um segundo. Minha mente ainda tenta formular alguma pergunta. Mas as preocupações de quinze minutos atrás, dentro do vagão do metrô, parecem pequenas. Ao ver o bombeiro rasgando minha calça, para dar espaço à perna, de repente me questiono se voltarei a andar. Tento guardar a imagem do céu e da Paulista na cabeça, como se fosse possível congelar o instante, congelar a vida para recomeçar depois do intervalo, do ponto em que ela parou, antes do sinal, do ônibus na esquina. De fechar os olhos e abri-los do outro lado da rua, entrando no ônibus, descendo a Brigadeiro, chegando no trabalho, abrindo o computador.

Inaugurei o plantão do HC naquele dia. Isso deve ser um sinal otimista para o hospital, considerando que já são quase dez da manhã, comento com o Bombeiro que me tira do Resgate. Ele não parece concordar. Talvez pela quantidade de pessoas, já àquela hora, sendo examinadas (estariam lá desde o dia anterior?). Deitada, olhando para o teto e sendo revirada por meia dúzia de residentes, não vejo nada. Mas ouço alguns sons que demonstram pessoas lutando, lutando bem mais do que eu. Mais tarde, Fê e André me confirmariam, com olhos apreensivos, esse cenário.

Permaneço no Pronto Socorro das 10 da manhã até as 4 da tarde. A sede, a fome e a febre vão se tornando imperceptíveis. E aprendo, em instantes, a confiar como nunca na vida. Sou examinada em partes do corpo que eu nem sabia que existiam. Das minhas roupas, só sobram as botas.

Dali, caminho óbvio, a ortopedia. Novos exames. Dor incomensurável. E o medo da operação começa a se transformar em reza, para que chegue logo, para que tudo aquilo acabe. Acaba por volta das 22h, quando vou ao quarto dormir, pernas sedadas, novos elementos no corpo. Cada parte do nosso corpo conta uma história.

Foi uma noite tranqüila, a primeira noite fora do tempo. A ela, se segue agora um desfile interminável de horas suspensas, de horas da verdade. De reaprender a usar o corpo. De não achar posição na cama. De ver o tempo passar e se indagar sobre o mundo lá fora. De lembrar viagens, passeios e pensar na maravilha de se locomover, de ganhar o mundo. De contar os dias para adivinhar quando a vida voltará ao normal.

Mas também de ver o sol pela janela, agradecer por ele aparecer na minha cama de manhã. De admirar a minha perna direita, brava guerreira trabalhando por duas, prestando sustentação inestimável. De observar o milagre que é um membro nosso perfeito, feito para nos fazer viver. De ver e festejar os centímetros a menos de inchaço na perna esquerda, de tremer com os pontos do machucado. De criar coragem para dobrar o joelho em 90 graus na fisioterapia, de fazer trabalhar o pé preguiçoso e assustado. De dizer “vai, você é capaz”. De me sentir feliz porque, afinal, estou aqui, podendo falar sobre isso depois daquele segundo em que não vi nada. Estou sentada em frente ao computador, escrevendo esse texto e chorando pela primeira vez desde que tudo aconteceu. E que no futuro vou lembrar disso como um tempo de pausa fora do tempo.

Na última semana, direta ou indiretamente, tive contato com muitos tipos de dramas humanos. O fato de ter um bom convênio médico me garantiu atendimento imediato no melhor hospital do país. Poupou-me de colocar pregos nos joelhos e de ficar imóvel numa cama por pelo menos três meses. Impediu que eu ficasse esperando num corredor de hospital por atendimento, que eu pudesse ter um quarto só para mim, que minha família e amigos estivessem ao meu lado – e que, mesmo assim, eu rezasse para que cada hora passasse rápido e eu pudesse ir para casa. Tive uma equipe de especialistas a meu dispor e enfermeiras disponíveis e cuidadosas, além de um médico atencioso e competente.

Todo o contrário, todo o desengano, a miséria e as exigências de provas sobre-humanas de paciência, tenho visto desfilar diante dos meus olhos. Em algum relato, em alguma imagem, em alguma história. De gente que teve a vida modificada para sempre. De pessoas que não tiveram ajuda, atenção ou a chance de atendimento adequado. E quando a impaciência me invade, quando a dor dos curativos vem de novo, quando acho que estou perdendo muito, tento guardar essas impressões para usá-las no futuro – na compreensão de tantos e piores dramas que insistimos em não ver, preocupados com nossos problemas soberanos.

Eu tenho um corpo perfeito que está se recuperando bem, graças à possibilidade que sempre tive de me cuidar, e da presença de uma família abençoada que me ama. Tenho amigos que estão ao meu lado, me dando muito mais do que eu poderei um dia retribuir. Tenho uma vida que está sob minha responsabilidade, sobre a qual somente eu posso responder. E quando precisei de ajuda, as pessoas estiveram ao meu lado o tempo todo. Pessoas conhecidas e desconhecidas, que não se recusaram a olhar para o lado quando viram que era preciso.

Esse momento, o momento presente, é tudo que temos. Que esse tempo fora do tempo não me deixe esquecer disso nunca mais – e que eu nunca mais olhe para alguém com o olhar de distanciamento que nos invade um pouco mais a cada dia. O distanciamento não existe quando a vida está em primeiro plano. E ela, apesar de nossas ilusões, está em primeiro plano sempre. Apesar das regras e preocupações de todo dia. A única coisa que podemos fazer pelos outros, e a maior, é compreender – daí vem tudo mais que precisamos saber. Hoje, a cada dia, tento compreender os sinais que meu corpo me transmite em silêncio. Talvez a vida nos mande sinais de recuperação a todo momento. É preciso olhar em volta para ver.

E que quando estiver bem cansada, ainda exista Amor para recomeçar.

(17.08.2007)

domingo, 24 de junho de 2007

Vontades

Vontade de olhar na janela e sentir cheiro de pipoca.
Vontade de cultivar idéias salvadoras, antídoto para a sombra.
Vontade de transformar o drama em piada, piada que te faça rir antes dos outros.
Vontade de fechar os olhos para os defeitos da parede, para a sala desarrumada.
Vontade de fazer a mala de alegria, juntar as roupas, chamar um táxi e voar para o horizonte.
Vontade de pegar no colo a garotinha do farol, tão pequena, com seus cachinhos no asfalto do domingo.
Vontade de chorar e limpar a alma.
Vontade de respirar o ar da mudança, de fazê-lo ser mais do que letras e frases.
Vontade de identificar o olhar.
Vontade de ser mais rápida que o pensamento, de controlar o verbo do repente.
Vontade de soltar o repente da ação.
Vontade de livro de histórias, de vento ao entardecer, de grama verde e ar fresco.
Vontade de ser simples, de precisar entender menos.
Vontade de buscar surpresas, de abrir o peito.
Vontade de andar. E fazer o caminho.

(24.06.2007)

terça-feira, 12 de junho de 2007

Depurando ouro

Há algum tempo, entrei na comunidade "eu adoro viajar". Descobri essa característica incondicional do meu ser. Eu realmente adoro viajar. Eu já sabia disso, mas era uma consciência meio teórica. De uns tempos pra cá, tenho experimentado o verdadeiro prazer de cortar todas as amarras, dar um tempo nas referências de todo dia e ganhar mundo. Antes de ser um ato, esse é um sentimento. É preciso se sentir na estrada, se sentir caminhando. Seja apenas 100km rumo à costa vizinha de casa. Sejam 11 mil quilômetros por oceanos desconhecidos. Sejam 2 mil quilômetros rumo às terras do sul. Mesmo que seja por um mês, quatro dias ou 48 horas.

Tem gente que viaja para conhecer outros cenários. Para experimentar temperos, sotaques e paisagens. Mas antes de chegar ao novo, a verdadeira mágica da viagem é esquecer o de sempre. Aquele conjunto de circunstâncias que te dão nome, identidade, trabalho, horário de sair e voltar, telefonemas diários, bom dia pro porteiro. Essas coisas que, de tão presentes, às vezes acabam virando a gente mesmo. E que, quando somem, ainda que por um tempo, dão espaço para que a gente de verdade apareça.

Até a hora em que a segunda parte da mágica acontece: na terra distante, lembrar dos tempos de feijão-com-arroz e sentir saudade. Saudade legítima e seletiva, das coisas que valem a pena. Das pessoas que fazem a diferença. Uma saudade boa, da certeza do reencontro. O alento de voltar pra casa. O filtro que nos mostra aquilo que, quando vamos, deve realmente ficar.

Viajar pode ser pra dentro também. Por terras às vezes inóspitas, mas igualmente fascinantes. É preciso coragem pra viajar pra dentro. Mas, depois de colocar o pé na estrada, se tem, ainda que de longe, a sensação de velho alquimista. Sai-se em busca de ouro, depurando velhos metais. E um dia, ao olhar para o caldeirão, se percebe que ali está, purificada, a alma de quem procura.

(12.06.2007)

Coisas muito bestas

... que me causam saudades furtivas no meio da tarde.

Parar pra comer em posto de estrada, de madrugada.
Se arrumar pra ir em baile de formatura (e se acabar com as músicas nonsense).
Dar risada com amigos do trabalho, às 5 da tarde, acompanhada de café e croissant de chocolate.
Aberturas de novelas que já acabaram.
Café na cozinha de casa, chegando da aula vespertina.
Céu vermelho do interior.
Céu azul, escancarado, do interior.
Pratinho de camarão na praia.
Cheiro de mar (no mar).
Bebidas de festa junina.
Comidas de festa junina.
Nadar.
Dormir até tarde.
Devorar um bom livro.
Rir muito ao telefone.
Ser tirada pra dançar.
Cheiro de comida de Natal.
Dormir numa viagem.

(01.06.2007)

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Esses dias

1h30 de ônibus. Pra cada ida e volta.
9h de trabalho.
1h de almoço.
3 h de ensaio.
2h para destravar os músculos.
1h pra destravar a alma.
3 horas de internet (picadas).
40 minutos de leituras. No metrô.
1h de supermercado.
2h de serviços domésticos.
6h de sono (tá... umas 5 e pouco).
4h de viagens intermunicipais.
3h de cochilos (aos domingos).
10 min de televisão.
Zero de música (que semana!).
20 min de bate-papo.
30 de papo-furado.
E coração ainda atento, no meio da ventania.

(06.06.2007)

sexta-feira, 18 de maio de 2007

À moda antiga

Ele chega. O cavalo branco abre caminho na estrada coberta de neve.
O vento bate nas janelas da casa dela. As cortinas balançam, sinalizando sua vinda. Ela escova os longos cabelos e prepara o vestido cor-de-vinho, de veludo. Sai do quarto e começa a descer as escadarias.

Num salto ágil, ele desce do cavalo. Segura com decisão o pegador de ferro da porta. Bate com o duro metal na madeira. Pergunta por ela. O vento continua a soprar.
Ela aparece. Ele pega nas mãos dela com o toque suave de suas luvas brancas e aveludadas, e a conduz. Num olhar apaixonado, ela pergunta:

- Amor, você separou troco para o flanelinha?
- Sim, querida. Carregou a bateria do celular?
- Eu joguei aquela droga fora – diz ela, piscando os olhos. – Dizem que dá câncer.
- É – diz ele, pensando melhor - E um primo meu disse que deixa meio broxa também.
- Não importa – ela diz. – Vamos, estamos atrasados. Não vamos achar vaga.

Cena seguinte. Os dois estão na torre do castelo, olhando o céu estrelado. Uma brisa fina balança os cabelos dela.

Uma rosa providencial se materializa nos dedos dele. Ele oferece a flor a ela. Aproxima o rosto de seus ouvidos e, secretamente, diz:

- Mas a gente não estava saindo a cavalo?
- Estava, mas isso é uma história romântica. Temos que fazer cenas românticas.
- Ah, tá.

Eles trocam sorrisos na noite clara e azul. No ar, acordes de Moonlight Serenade. Os cabelos semi-longos dele ao vento, enquanto ele a chama para dançar. Ela corre ao centro da cena com seu vestido esvoaçante.

- Mas o vestido não é de veludo? (ele sussura).
- É, mas tem um ventilador ali atrás, fazendo tudo voar – ela responde, subindo a voz de repente. – Oh, querido, beije-me!
- Sempre, meu amor!

Claquete. Palmas.

Oscar de melhor filme.
Mesmo que o limite do cartão tenha acabado.
E que o Romeu em questão seja meio durango.
E nem sei se Moonlight Serenade é a melhor música pra essa cena.

Mas filme bom é aquele que não anda em zigue-zagues, nos fazendo perder horas tentando entender os hieróglifos do sentimento alheio.
Filme bom pode ser simples como um chopps e dois pastel.
Aquele em que qualquer lugar pode ter som de violinos.

Será que a gente ainda será
A velha estória de amor que sempre acaba bem
meu bem
Meio demodée para hoje em dia
Antigamente, tudo era bem mais chique

Porque a gente nem sabe por quê
Mas acontece que eu nasci pra ser só de você
É claro que a sorte também tem que ajudar
Ultimamente, um romance dura pouco

Cola, seu rosto no meu rosto
Enrola, seu corpo no meu corpo
Agora, está na hora de dançar...

(Rita Lee)

(18.05.2007)

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Conclusão dispersa

Viajando, existem dois tipos de lugares que você pode visitar:
Os que te fazem sentir feliz. Você olha o horizonte, respira fundo e enche a alma de leveza e alegria. Dimensão paralela que recarrega seu espírito. Você sai de lá revigorada, achando que o paraíso existe, refúgio terrestre.
E existem aqueles que você, ao visitar, sente como inusitada vibração. Sua alma se inquieta, remexida. Você olha em volta e procura o que te toca assim tão forte e sutil. Não é alegria ou euforia.
É encontro. Esses lugares não te fazem sentir nem melhor ou pior. Você simplesmente se sente em paz, na felicidade de quem chega em casa.
Assustador, mas de beleza sem par.

(09.05.2007)

quarta-feira, 9 de maio de 2007

Bom pra hoje

Chocolate.
Chocolate quente.
Café.
Café com leite.
Pão quentinho.
Blusa de lã.
Abraço encolhido.
Bota.
Guarda-chuva.
Janela fechada.
Sopa quente.
Televisão.
Pipoca.
Cobertor.
Cobertor de orelha.
Dormir.
Chocolate quente.
Chocolate.

(09.05.2007)

quarta-feira, 2 de maio de 2007

Senhora


Boca da noite. As luzes da Avenida Paulista à toda. Só não ganham dos carros apressados que tomam a rua de assalto ao menor sinal luminoso. Olho em volta a claridade dos faróis, das lâmpadas. Poderia ser qualquer hora do dia, ali. Meio-dia, duas da tarde, nove da manhã. O movimento seria igual, a cara apressada das pessoas, tudo igual. A não ser por um detalhe: enquanto ando, noto uma silhueta escandalosa no céu, por entre os prédios. Continuo, passo após passo, e ela vai se descortinando. Mais cem metros, e está solta na escuridão, entre um edifício e outro. Com um baita quintal, já se diria no interior. Lua com quintal é sinal de chuva no dia seguinte. Por um minuto, sou transportada para um momento particular, ancestral, de quando só havia ela, espreitando no vazio da noite. Ela continua ali, criando seu cenário, participando e dizendo a todos que é mais forte do que as luzes da cidade. Com seu quintal, providencia lugar próprio. É só olhar e perceber.

A Lua Azul (sabem o que é a Lua Azul?) ;) será só no mês que vem. Mesmo assim, coloco aqui uma homenagem à senhora que me olhou de seu sítio esta noite, enorme e bela. Porque as coisas sempre podem ser maiores e mais elevadas do que pensamos. Boa surpresa em meio a meus pensamentos tão fim-de-(quarta)feira.

A Lua (dizem os Ingleses)
É feita de queijo verde.
Por mais que pense mil vezes
Sempre uma idéia se perde.

E era essa, era, era essa,
Que haveria de salvar
Minha alma da dor da pressa
De... não sei se é desejar.

Sim, todos os meus desejos
São de estar sentir pensando...
A Lua (dizem os Ingleses)
É azul de quando em quando.

(Fernando Pessoa)


(02.05.2007)

segunda-feira, 30 de abril de 2007

Mais coisas

... simples que eu nunca fiz

Comer amendoim salgado.
Dormir no cinema.
Beijar na chuva.
Comer vatapá.
Chamar a atenção de um filho.
Voar de balão.
Tocar violão direito.
Patinar sem cair.
Surfar (de pé).
Ir trabalhar direto depois da balada.
Beber até vomitar.
Ter ressaca de vodka, mesmo tendo bebido muita.
Dar um fora e ficar bem.
Guiar um cego na rua (alguém sempre faz isso antes).
Me divertir num teleférico.
Trocar alianças (de ouro).
Esquecer afetos.
Acreditar em Papai Noel.
Dizer: "Volta".
Chorar no reencontro.

Coisas simples que já fiz

Comer chocolate antes da janta.
Chorar no cinema.
Passar dias trancada em casa. Com uma mesma pessoa.
Comer acarajé.
Ninar um nenê.
Cantar no chuveiro.
Faltar na academia, por preguiça.
Andar de bicicleta.
Querer ficar longe de todo mundo, por um tempo.
Levantar depois de um tombo.
Dormir sem roupa.
Passar mal com cerveja.
Chorar de saudade.
Engasgar com bala.
Engolir chiclete.
Ir ao zoológico.
Distribuir ovos de páscoa em orfanato.
Dizer: "Fica".
Chorar na despedida.

(30.04.2007)

quarta-feira, 18 de abril de 2007

Olhos abertos

Um dia você acorda e percebe que as coisas não são mais as mesmas.
Os móveis do seu quarto, o carpete da sala, os quadros na parede, estes são os mesmos.
Mas você tem alma que não cabe mais no espaço. Alma que questiona e que busca.
Um dia você vê que os pensamentos não coincidem. Que o coração de seus companheiros abriga momentos diversos.
Você percebe que cada passo que deu, cada desilusão que sofreu, cada tombo que levou tirou uma trava dos seus olhos.
Que a cada dia você vê mais um centímetro, um pequeno centímetro da realidade se mostrando diante de você, ainda que embaçada. Ainda que incompleta.
Você deixa de lado as ilusões e a bolha protetora das suas fantasias.
E no final de tudo, o que sobra?
A vida. Pronta para ser vivida, sem medos ou sedativos.
A vida, construção.
Bela como um mar. Sólida como um grito.

(18.04.2007)

segunda-feira, 9 de abril de 2007

Mudou

Mudou o blog. Mudaram as músicas.
Mudaram os sonhos. Mudaram as pessoas e os nomes delas.
Mudou o brilho no olhar. Mudou a luz do sol.
Mudou o ar pra respirar. Mudaram os planos.
Mudou o nome disso. Mudou o rumo, o pôr-do-sol.
Mudaram a montanha e o ar da praia. O asfalto mudou de lugar.
Mudou o olhar. Mudou o coração.
E levou tudo junto, mudando com ele.

(09.04.2007)

sexta-feira, 30 de março de 2007

Conto de viagem

Ela o encontrou na curva do caminho. Ele, perdido entre curvas, bailando sozinho na dança do tempo. Ela trazia feridas de outros tempos que ainda doíam, embora escondidas. Ele se ria, sonhava e levava consigo temores e segredos. A alegria de saber-se forte o conduzia. O sorriso o resguardava.

Ela teve medo. Depois, estranha sensação de encontro em mundo distante. Pequena bolha de amor que a protegia, riscava sua alma a fresco. Ela se sentiu bailando no vento do tempo que não era seu.

Quando sua alma, feita corpo, reclamou atenção, ele lhe curou as feridas, desbravou a muralha de seus modos, lhe cuidou como pai. No lugar que já lhe era casa, ela se viu presa na velha rede.
Não quis dar nome ao que já sabia nascido. Experimentou o pesar, a dor e a surpresa de se descobrir cativa em tão insuspeito laço.

Na curva seguinte, despediram-se. Um abraço de alma sela o encontro. Ele chora. Ela, em silêncio, sabe que seu peito pesará por doce tempo.
Coração é desses que, tendo querências, às vezes as aparta para que continuem vivas. Às vezes, as faz nascer apenas para que se prove, generosa, a grandeza da vida.

(30.03.2007)

quarta-feira, 28 de março de 2007

Como bumbum de bebê

É assim. Um dia você está lá, despreocupadamente andando entre suas encanações nem sempre producentes e seus pensamentos muitas vezes inúteis. E surge, virando a esquina como um ladrão em fuga, um pedaço das coisas que já eram, que ficaram pra trás. Surge fazendo cócegas nas suas idéias fixas, mostrando que ainda resta aí algum gás pra confundir o ambiente, que tudo isso ainda pode provocar algum sorriso, ainda que torto, no rosto da audiência.

Aquela piada que você já achava sem graça, que dava traço no ibope. Aquela poeira que você varreu pra baixo do tapete há tanto tempo que nem se lembrava mais. Ela voa de novo no seu olho, fazendo você esfregar o rosto e fitar surpresa o espelho, procurando o que causou tamanha confusão. E você resolve pagar pra ver, virar (de novo, ai) o rosto e conferir, afinal, o que tanto ela quer te dizer. Pronto. Lá está você de novo, girando em círculos, ainda que por instantes.

E você sabe que não vai dar em nada, provavelmente 99,97% de chance de que tudo continue na mesma e de que, dentro de alguns dias, a poeira volte pra debaixo da cama e você siga a vida como sempre, de volta às suas novas e evoluídas preocupações. Mesmo assim, você faz um exercício de imaginação e tenta, ainda uma vez, rir da mesma piada. Torcendo, é claro, pra que haja platéia para a manifestação de seu dom palhaço.

Tudo bem. Se não houver palmas, pelo menos você deu uns sorrisos a mais na terra dos devaneios. Porque como todos sabem hoje em dia, sorrir evita as rugas.
E sonhar, isso eu já sabia desde os meus 15 anos... não custa mesmo quase nada. ;)

(28.03.2007)

quarta-feira, 21 de março de 2007

Não se reprima

Foi hoje, na hora do almoço. Alguém puxou um papo do tipo "como estamos velhos" e todo mundo desandou a dar suas contribuições. "Ah, eu ouvi só vinil até os 16 anos". "Ah, eu passei a infância e adolescência todas sem saber o que era um celular. Internet, só na faculdade". "Ah, eu tinha um disco compacto da novela Estúpido Cupido".

É claro que não demorou para nos lembrarmos do clássico dos clássicos da infância 80. Sim, eles, que fizeram milhares de pessoas se estapearem em frente ao Macksoud Plaza em algumas tardes oitentistas, em sua vinda ao Brasil. Eles, que provocaram engarrafamentos em estradas no eixo sul-sudeste do país. Eles, que foram responsáveis pelos maiores micos infantis da geração de garotas hoje na faixa dos 25-30.

Mas a gente não lembrou deles assim de cara, não. Antes passamos por referências mais atuais (e copiadas dos pais do movimento, claro), tipo New Kids on the Block e Backstreet Boys. E nem foi no momento-confessional "eu fui uma seguidora de Boys Band" que nos lembramos deles. Foi, sim, na hora dos compactos de vinil, quando eu ganhei o prêmio de bizarrice sonora do ano com a seguinte declaração:

"Eu tinha um compacto de vinil flexível, de plástico, transparente, que ganhei numa promoção da Tang. Vinha com apenas uma música e antes de começar, tinha a declaração de um deles (acho que o Ray) num portunhol incrível: 'Oy, eu sou o Ray, e estoy mucho contente de cantar para nostros maravilhosos fans do Brazil'."
A canção em si não era das mais famosas, nem das que lembramos primeiro hoje em dia, quando falamos desses áureos tempos. Mas eu me lembro muito bem, era uma cujo clip eu tinha visto acho que no Fantástico. Nossos heróis porto-riquenhos apareciam numa espécie de navio pirata, vestidos de corsários espanhóis, e o filminho tinha direito a mocinha amarrada no mastro, tiros esfumaçados de canhão e uns bandidos fake em terríveis cenas de luta. Tudo para que Robbie, é claro, pudesse salvar o dia e cantar o refrão em inglês, no final do clip, no ouvidinho da mocinha. Uau.

Entre lembranças do show assistido pela tevê (meu pai, desde aquela época, tinha aversão a multidões e se negou terminantemente a me levar) e álbuns de figurinhas perfumadas, com as fotos dos moços em letrinhas douradas, deixo aqui uma saudação a todos que testemunharam a passagem desse verdadeiro marco histórico trash-pop pelo país. Porque todo mundo tem seu lado negro da força pra confessar. E nem só de RBD vive o homem. :)

PS - Empolgada em colocar aqui o link para a obra-prima cinematográfica que citei neste post, localizei no YouTube um clip bem diferente daquele que minha memória guardava: realmente há o navio, e as piratas, mas os moços em questão estão vestidos com as roupas deles mesmos (todas iguais, no melhor estilo Power Rangers), e apenas caminham por um forte à beira-mar enquanto as "moças-piratas" os seguem com o olhar. Nada de lutas ou tiros de canhão... prova de que nem sempre se pode confiar na memória de uma criança de 8 anos, ou de que, aos 8 anos, a gente tem mesmo o poder (bendito) de sair do chão muito mais fácil. :)

(21.03.2007)

terça-feira, 13 de março de 2007

Palavras

Penso que palavras são pequenas fadas, travestidas de sons. Perigoso mexer com elas. Ao menor sinal de indecisão, se rebelam e saem na carreira, arrastando incautos sentimentos. Larápias, bolem com pensamentos e vontades. Fazem cócegas nos desejos, confessos ou não.

Bravas, as bichinhas. Belas filhas, formosas meninas. Mas, gatas caprichosas, decidem sozinhas o momento de fuga. Perfazem vôos lépidos sobre nossas cabeças, com sorriso maroto de fadas, diante da estupefação geral. Não precisam de sentido: invadem mentes e olhos. À guiza de encantamento, criam redemoinhos no ar. 

Mas voltam à casa, ao ouvir nosso choro, para fazer-se de abrigo. Com a graça de crianças novas, nos pegam pela mão e nos lembram de que nós mesmos, anjos caídos, construímos casinhas no ar. Moradas de fadas.

Caso seja imperativo tirar-lhes a amplidão, é mister fazer bom acordo. Ou vibrarão suas asas, perenemente, na mente do algoz iludido. Persistindo as amarras, chegarão ao coração - medida extrema, geralmente incurável.

Eis o preço a ser pago pelos adestradores de fadas: palavras esvoaçando na garganta, embotada em pó de pirlimpimpim. 

(13.03.2007)

quarta-feira, 7 de março de 2007

Manual de não-etiqueta em relacionamentos

Eu acho assim:

Que todo mundo tem direito de se apaixonar sem ficar se perguntando se tá certo ou se tá errado.

Que todo mundo pode se perguntar se fez a escolha certa alguma vez na vida, quando achar que precisa. E mudar o rumo do jeito que der, na hora que der. Sendo sincero consigo e com os outros. E sem ser crucificado ou execrado por isso.

Que as escolhas certas num momento podem não ser escolhas certas pra sempre. E nem por isso o tempo em que foram válidas merece ser desconsiderado.

Que ninguém devia ter vergonha de andar de mão dada com seu amor na rua.

Que o amor, salvo em casos de exagero ou doença, não pode fazer mal. O preconceito, a falsidade, a hipocrisia sim.

Que ser "normal", por outro lado, também não é passível de crucificação. É bacana ser louco e ser donzela, barbarizar e sonhar com o príncipe. É bacana ser a gente. E respeitar quem está em volta.

Que ninguém deveria falar essas coisas por pose e mostrar lados podres virando a primeira esquina.

Que dá pra defender os outros sem, necessariamente, ter sentido o que eles sentem na pele. Dá pra defender a compreensão.

Que dói se decepcionar e que a gente tem o direito de ficar puta se decepcionam a gente. Que ninguém é Super-Mulher o tempo todo.

Que mesmo com 30 anos a gente ainda pode dormir abraçada com o travesseiro num momento de carência ou saudade.

Que patrulha mesmo é aquela de quem não paga as nossas contas, não libera a micharia das idéias e acha que você tem que ser tão recalcada quanto eles. De quem acha, maniqueístamente, que amor é não conseguir ser você sem estar do lado de alguém.

Que tudo isso que acabei de escrever pode ser um bando de lugares comuns. Mas não tô nem aí se sou repetitiva. Tem coisas que a gente só aprende mesmo na base da exaustão.

Eu quero crer no amor numa boa
E que isso valha pra qualquer pessoa
Que realizar a força que tem uma paixão...
(Lulu Santos)

PS - Este é um post totalmente adaptável. Onde se lê "amor", pode-se ler "trabalho", "ideais", etc., ao gosto do freguês.

(07.03.2007)

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Seleção Loser para o Carnaval

Você está cansado de ouvir as mesmas marchinhas mofadas de Carnaval, ano após ano? Não aguenta mais escutar aqueles sambas-enredo que parecem todos iguais? Já está confundindo a voz dos comentaristas da Globo com a narração do Galvão Bueno na última Copa?

Seus problemas acabaram!!

Acesse os links abaixo e ouça com exclusividade pública a seleção musical que vai salvar o seu Carnaval. Clássicos da nossa MPB reunidos, ao lado de canções não tão conhecidas, mas que devem por obrigação figurar em qualquer lista decente de músicas pra animar a galera. Terminando, é claro, com o hino de todos os carnavais loser.

E não adianta disfarçar... a gente sabe que você já se empolgou e dançou loucamente, ou chorou freneticamente de emoção, com pelo menos umas cinco dessas.

Confira... e que o Feno esteja com você na folia!!!

GUIA INESQUECÍVEL DO CARNAVAL LOSER


Garoto de aluguel - Zé Ramalho

Amante profissional - Baton na Cueca





Morango do Nordeste - Frank Aguiar

Transas e caretas - Trio Los Angeles




Eu não sou cachorro não - Waldick Soriano

Emoções - Roberrrto & Eráishmo

Unidos do caralho a quatro - Hermes e Renato

(15.02.2007)

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Tá contigo, Riobaldo


Já posso ouvir o som dos tamborins e pandeiros. Bundas se proliferam na televisão. E ele, esse evento tão esperado, dá de novo o ar da graça na terra brasilis. Vocês sabem de que eu estou falando.

Pois bem. Esse será um Carnaval atípico para mim. Pelo menos nos últimos 3 ou 4 anos, gloriosamente, eu havia conseguido fugir, de um jeito ou de outro, do Desfile das Escolas de Samba do Grupo Especial pela TV - manobra que constitui espécie de ritual de alforria, um tipo de vingança aos anos de nerdismo em que eu não tinha nada de útil ou interessante para fazer no referido feriado, enquanto o resto do país (incluindo meus amigos adolescentes) se afogava em cerveja e outros quetais, além de beijos e amassos desconhecidos e desenfreados, é claro, nesses salões e avenidas da vida.


Sim, como boa adolescente revoltada com a vida Beverly Hills de meus colegas de escola, eu ficava em casa amaldiçoando os dias de folia e engolindo pedaços da narração futebolística das escolas de samba feita pela TV Globo, madrugadas adentro, enquanto rezava pra tudo aquilo acabar. Eu bem que tentei me integrar ao sistema naquela época, ir a alguns bailes e desfiles. Até me diverti algumas vezes, posso dizer. Mas, para alguém com inclinações sentimentais, o Carnaval pode ser festa cruel. Naqueles dias de folia, nem pensar em encontrar alguém por quem o coração batesse mais forte, por exemplo - todo e qualquer olhar estava fadado a evoluir pra uns amassos atrás do pilar do clube da cidade, ao som de pagodes e em meio ao cheiro de lança-perfume, até ser compulsoriamente esquecido, ou trocado por outro, bem antes da quarta-feira de cinzas. A adolescente que fui, com seus pendores Álvares-azevedianos, não via graça alguma naquela dança das línguas a que meus amigos se dedicavam com furor.


Mas o tempo passou, é claro - o que, vejam só, pode trazer uma série de vantagens. No caso do feriado momesco, por exemplo, a autonomia conquistada pela adultez trouxe também a liberdade de escolha do quê fazer, para onde ir e, principalmente, com quem ir e que tipo de música ouvir durante os fatídicos dias. Não que eu seja uma furiosa contra a cultura popular (o que, além de inverdade, seria, no meu caso, perfeito suicídio profissional), mas sou, antes de tudo, uma amante do livre-arbítrio. Acho maravilhosas as festas populares - as *verdadeiramente* populares, é bom que se diga, e não essa enganação de abadás e trios elétricos que segregam o povão por cínicas cordas, nas mesmas ruas que essas pessoas ajudaram a construir e que são suas para o trabalho e para a vida no resto dos dias do ano. Acho lindas as músicas, a movimentação, o ânimo popular de quem dá vida e história a essa festa tão nossa. Aprendi a apreciar o verdadeiro significado cultural do evento, que em cada canto do país se mostra de um jeito, reflete nossa história e alegria, e que pode ser tão distante das músicas e imagens pasteurizadas que vemos sempre pela TV. Mas, acima de tudo, descobri também a liberdade de escolha pessoal de se retirar, ir para algum lugar no meio do mar, da areia, do campo ou de pessoas queridas, e voltar pra casa na quarta-feira com as baterias recarregadas, cheia de paz na alma e ânimo pra fazer boas coisas no dia-a-dia. E sem a obrigação adolescente (que alguns levam pela vida afora, ó miséria) da pegação obrigatória e declarada, tal qual linha de montagem.


Enfim, tudo isso para dizer que meus últimos carnavais, com ou sem beijo na boca, têm sido muito não-convencionais e absolutamente felizes. Para esse aqui, claro, também tinha planos. Planos de fugir do mundo pra um lugar que me trouxesse imensidão da alma, que me fizesse pensar e sentir boas coisas para mim e para outros queridos. Porém, esses tempos de caos nos aeroportos e curta grana (por bons motivos, felizmente, mas ainda assim curta) me forçam novamente, depois de anos, a uma estadia momentânea no lar, doce lar. Por um momento, senti a angústia adolescente se avizinhando. Traumas? Sim. O que fazer para não transformar o feriado novamente num repeteco azedo do Show da Virada do Faustão?


Algumas hipóteses surgiram no horizonte. Amigos queridos, em momento financeiro-social semelhante, sugeriram um roteiro alternativo-cultural pela selva de pedra. Grande idéia, sem dúvida. Afinal, como típicos paulistanos, carregamos muitas vezes a frustração por conhecer tão pouco dos lugares da terra onde vivemos, em contraposição aos encantos de outras cidades por vezes mais longínquas. Por que não aproveitar a metrópole vazia para mergulhar um pouco mais em sua alma, conhecer aquilo que ela traz de mais típico e belo? Sim, boa pedida. Outras idéias também vieram. Para os dias da semana subsequentes à folia - que, ó Lei de Murphy, justamente nesse ano, terei livres - um pulo à casa de mamãe e papai para bater o ponto e para descansar, sentindo o cheiro bom de lar. O que mais? Escrever, pensar na vida, tentar quitar pendências de estudos atrasados, etc, etc...

No meio do trivial e do variado, porém, outro pensamento me acorre. Esse, carregado de lembrança afetiva e da expectativa, agora sempre perene, de novas paragens. E eis que, no domingo que antecede o feriadão sambista, entro na internet com parada certa. Acesso uma livraria online e faço a encomenda que pisca em minha mente, por motivos diversos, há alguns dias: Grande Sertão, Veredas. Não, eu nunca li Grande Sertão, Veredas, apesar de ter me encantado com a história de Miguilim (também na adolescência) e de já ter até mesmo andado, sacolejantemente, por alguns dos caminhos percorridos por Guimarães naquele mundão mineiro de meu Deus. Pois muito bem, está na hora do coração descobrir o que os olhos já viram com a poesia dos raios de sol e de borboletas amarelas. Já que não viajo fisicamente, vou proporcionar essa viagem à minha alma: dedicarei meus feriados a descobrir o Grande Sertão. Nos próximos dias, ele deve estar chegando para me fazer companhia. E, quem sabe, me inspirar em novas empreitadas - cheias de poesia, brilho nos olhos e expectativas várias.

Depois conto aqui o que achei e que presságios essa bela viagem, já prevejo, me ajudará a realizar. Por hora, deixo um pensamento do livro citado, que espero encontrar durante a leitura:

"O importante e bonito, no mundo, é isso: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou."

E, terminando de expulsar os fantasmas da nerdice adolescente, lembro ainda uma frase muito reverenciada pela galera que entende do assunto (se alguém souber o autor, por favor me diga, já que infelizmente não lembro agora): Rock'n Roll saves lives. E um bom livro também. ;)

(12.02.2007)

terça-feira, 30 de janeiro de 2007

Vamos falar a verdade

Então, tá. Chega de enrolar. A verdade é que eu não sou tudo isso. Não, muitas das coisas que sou - que até eu acredito que sou - são pura maquiagem. Eu fico tentando dar fôlego a coisas datadas. Crio situações. Eu me dou mal e não admito. As pessoas me magoam, às vezes com razão, e eu fico tentando achar razões minhas para tirar a razão delas. Enxergo o que eu queria ver onde ele não existe. Muitas vezes desprezo o que está na minha cara, mas não é bonito de ver, por covardia, desamor ou puro e tolo orgulho.

Eu canto sozinha e tenho vergonha de fazê-lo na frente dos outros. Eu tenho medo de perder o script ou de tropeçar na rua. Eu não cumprimento pessoas que até conheço, mas com quem não teria o que conversar, ou então que não me lembram boas coisas.

Eu fico mal humorada quando estou doente ou com fome. Eu julgo. Eu tento dar pinta de saber mais do que eu sei, às vezes, pra impressionar. Eu me culpo. Eu não tenho paciência com pessoas com fé na humanidade em tempo integral. Eu não consigo mais ver o Big Brother. Eu acho Clarice Lispector maníaca-depressiva e o Renato Russo um deprimido egocêntrico. Mas eu já li Clarice Lispector e tenho dois CDs do Renato Russo, que ainda ouço de vez em quando.

Eu não gosto de salada e não me esforço por gostar. Eu acho que o fato de gostar de ler e saber escrever é grande coisa. Eu não durmo cedo, e acordo tarde em dias de folga. Eu me faço de vítima. Eu viro a cara em dias ruins, ou se estou apressada, quando alguém me aborda na rua. Às vezes eu não tenho piedade. Às vezes eu me irrito com a cega e otimista piedade alheia.

Eu me apoio egocentricamente nas pessoas. Eu esqueço de perguntar como vai a família. Eu sou preguiçosa pra fazer faxina.

É assim. Eu é vil e errônea, já diria Fernando Pessoa.

(30.01.2007)

quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

Pra não dizer que não falei de flores

Tenho em minha casa dois vasos de violetas. Chegaram em casa bonitos, como fotos de floricultura, cheios de botões e de cores. Durante umas duas estações, me brindaram com alegres tons de rosa e lilás sobre a mesa da sala. Depois disso, nada mais.

Vitaminas, terra nova, água, ar fresco não adiantavam. Com o tempo, fui me acostumando ao verde tímido das folhas e não mais esperei por floradas. Elas, as plantas, pareciam ter se conformado também, e a vida seguiu.

Vieram novos móveis. Vieram e se foram empregos, surpresas, planos, viagens e amigos. Vieram dois inquilinos à minha casa, que de morada solitária se transformou em nova modalidade de república, mais ou menos familiar. Atualizamos, reformulamos, guardamos, crescemos.

Um dia, uma nova hóspede verde obrigou a mudanças domésticas. Crescendo mais do que o esperado, requereu espaço próprio, janela própria e sol próprio. E no embalo, decidi também presentear as velhas moradoras vegetais da casa com um pouco mais de sol, de falas cúmplices e de nova terra.

Vi minha sala ser palco de uma revolução vegetal. Crescendo centímetros e centímetros a olhos vistos, a planta caloura chamou renovadas energias elementais ao ambiente. Suas colegas se juntaram ao coro. De repente, vi as antigas e tímidas folhinhas verdes, já anêmicas, se vestirem de um verde-musgo vigoroso. Todas as manhãs, elas se esticam para capturar aquele sol que não viam há anos. Voltaram ao viço da juventude.

E há alguns dias, a novidade: percebo, por entre as folhinhas, pequenos botões, inéditos há mais de cinco anos. Surpreendida, me esforço para me lembrar de que cor seriam aquelas flores ausentes há tanto tempo. Agora, dias depois, já vejo despontarem o rosa e o lilás de outrora. Em breve, acredito, acompanhados de (essas, sim) inéditas flores da nova inquilina, que provocou a revolução inicial. Estou curiosa para saber de que cor serão essas flores da boa fortuna, que acompanharão as minhas já experientes, e agora ainda mais belas, violetas.

E aprendo, mais uma vez, que não se pode, nunca, virar as costas ao sol. Peço desculpas às minhas antes anêmicas plantinhas, que souberam esperar o lampejo de consciência, já envergonhado, desta senhoria. E percebo que mesmo um começo de ano como este, conturbado para tantos, pode trazer gotas de poesia. Minha sala, banhada de sol, está inundada delas. :)

PS - Outra lição a tirar do episódio: sempre ouça - e agradeça - os conselhos de um especialista (no caso, Mariana, namorada de meu irmão e estudante de biologia, que sugeriu que, ao contrário do senso comum, um pouco de sol faz, sim, muito bem a violetas). :)

(18.01.2007)

segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

Por um desvario

Se eu fosse fazer um pedido desvairado, leve e alegre, ia pedir para voar invisível até você, e aterrisar ao seu lado bem na hora em que uma graça te surpreendesse quieto, lendo ou ouvindo uma história, e seu rosto explodisse num sorriso inesperado e maroto. Aquele sorriso que me hipnotizou no primeiro segundo e que, pairando no ar da lembrança, me fez dormir uma noite bem-dormida em meio a tantas e até insuspeitas inquietações. Um sorriso que me persegue até hoje, que vem ao meu auxílio em momento de transtorno como o de agora, quando de repente a realidade bate na cara da gente e provoca falta de apetite, engulhos, enjôos. Nessa hora (e em outras mais felizes também) minha mente teimosa inventa de voar até você, e lembrar de novo do seu rosto se iluminando naquele sorriso maroto.

Queria ouvir de novo sua voz em contexto novo e inesperado, me trazendo a sensação de ter encontrado um tesouro num livro de histórias. Queria de novo andar pelas ruas te ouvindo rir do meu jeito de falar enquanto dirige, me olhando de vez em quando com a doçura e paciência de um velho conhecido. Queria de novo mirar a luz da tarde na parede do quarto, sozinha num dia claro, me sentindo tão estranhamente em casa como um náufrago que pressente velhas memórias invadirem sua mente, sem nome, sem cor, mas doídas de tão ternas, tão loucamente familiares.

Queria andar de novo por aquelas calçadas cheias de borboletas, entrar num bar e ter taquicardia ao ver a surpresa se avizinhando. Mas não estou lá, não estou aí, e isso faz, estranhamente, tudo mais belo. É o instante que passou, que se tornou eterno para que, em tardes cinzas como a de hoje, depois de olhos vermelhos e explosões de inquietação ao meu redor, eu possa me calar e me transportar de novo para esse lugar onde sua imagem se mistura a toda a paisagem como uma onda, como um presságio. Sei que no fundo é meu pensamento que voa, refazendo uma memória louca que não tive - mas que vem ao meu encontro sorrateira e independente de qualquer desejo meu. Como uma teimosia que encontra acolhida, como uma visão antes de acordar.

Por hora, isso é tudo. Por hora, é tudo de que preciso. E a paz, de novo, invade meu coração.

(08.01.2007)

quinta-feira, 4 de janeiro de 2007

Tamos aí


Ok, vamos lá então. Vamos começar a bagaça. Meio aos trancos e barrancos, é verdade, mas melhor do que muitos outros começos. Tenho coisas boas pra comemorar. A certeza de que, como disse a amiga Fê, eu me basto, basto para meus sonhos e, por conseguinte, estou - espero - muito mais capacitada para fazer os outros felizes também. A certeza de que tenho pessoas especialíssimas ao meu lado, que o destino me trouxe, pra trilhar muitos e novos caminhos. Ternuras antigas que me dizem, sempre e apesar de tudo, que o mundo vale a pena e que é uma bênção viver. E mesmo sabendo que no fundo, esse negócio de Ano-novo é, como diria Drummond, uma invenção genial para dividir nosso cansaço e esperança em fatias, é bom aproveitar a troca de calendários, agendas e datas nas folhas de cheque. Que a nova papelaria (sempre adorei papelaria!) nos inspire a renovar também a tela da mente. Focalizemos, então, nossos olhos para os velhos problemas e pensemos em novas soluções.

Refugio-me de possíveis ressacas em uma canção de outros tempos, que faz emergirem sonhos teimosos e acordes sempre mágicos para mim. Bom Ano a todos. E que, ao invés de termos boas surpresas, possamos ter o orgulho de dizer que fomos atrás de cada uma delas, buscando-as com vontade e amor.

Feliz Ano Novo!

Ring out the old
Bring in the new

A midnight wish

To share with you

Your lips are warm

My head is light

Were we in love

Before tonight?


I don't need a crowded ballroom

Everything I want is here

If you're with me

Next year will be

The perfect year


No need to hear
The music play
Your eyes say all
There is to say
The stars can fade
And they can shine
Long as your face
Is next to mine

It's new year's eve
And hopes are high
Dance one year in
Kiss one goodbye
Another chance,
Another start
So many dreams
To tease the heart

We don't need a crowded ballroom
Everything we need is here
So face to face
We shall embrace
The perfect year

(04.01.2007)