quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Lições da fisioterapia

Quando comecei os exercícios, achei que meu maior trabalho seria o de me equilibrar novamente sobre minha perna sem sentir dores. Imaginei que meus ossos e músculos se ressentiriam, depois do longo período de paralisação. Realmente, eles estranharam a demanda de esforços. Mas, depois dos primeiros dias, as dores foram diminuindo aos poucos, tornando-se apenas avisos preventivos de quando se avança o sinal do caminhar. Na ânsia da cura, mesmo as dores dos ossos se tornaram cooperativas.

Mas, no meio do caminho de volta, outra parte do corpo resolveu dar o alarme. Meu joelho se ressente loucamente do esforço que lhe é exigido. Inchado, acorda-me no meio da noite, reclamando. Endurece, se negando a trabalhar. A pele magoada ainda não sente frio ou calor. É meu maior desafio, minha maior fonte de esforço e suspiros, na tentativa de dobrar a perna sem dores.

Intrigada, pergunto à fisioterapeuta o que isso significa, uma vez que o joelho, teoricamente, saíra ileso da trombada que me derrubou há mais de mês. Se até os ossos já se readaptam a suas tarefas, por que esse ressentimento? A resposta: no impacto, tudo ali dentro, base da articulação, se desestruturou. Ainda que nenhum ligamento ou osso tenha sido rompido, agora ele precisa achar sua posição de novo para voltar a trabalhar direito. Isso pode demorar. E pode doer.

É assim mesmo: nem sempre aquilo que se rompeu, e que merece nossos maiores cuidados, é o que causa maior preocupação. Com o tempo, os verdadeiros motivos de alarme podem surgir sorrateiros, em áreas periféricas - e tão estratégicas quanto insuspeitas.

19.09.2007

domingo, 16 de setembro de 2007

Desce o pano

Mãe, estou aqui.
Estou aqui de pés descalços, como convém.
Vim de alma lavada, na areia, na beira do mar.
Meus pés descalços estão em todos os lugares, na praia, no corredor de casa. Em lugares por onde já passei. E estão também no assoalho frio do banheiro, que visitei esta manhã.
Esta manhã, Mãe, enquanto o mundo dormia, me levantei e fui com meus pés descalços até lá.
Senti o chão frio e isso que me fez bem. Há tempos não sentia o frio com meus pés.
E depois da noite difícil, vi um pequeno pedaço do caminho indo embora.
Na manhã do chão frio, olhei meu rosto no espelho.
Depois, abri a torneira e lavei meus machucados todos. Lavei o rosto, o corpo. Deixei escorrer da alma qualquer coisa que não fizesse mais sentido. Todos os enganos, tudo que não prestava mais. Tudo que eu não sou, tudo em que eu não acredito.
Depois, ainda tonta, voltei para a cama. A cabeça doía. Mas estava mais leve.
Mas eu sabia que, quando o dia começasse, o mundo seria outro. E o caminho, ainda que difícil, seria mais claro.
Aprender pela dor é difícil, Mãe.
Mas quando se aprende, até as dores podem se transformar em bênçãos. Que marcam, mas que livram as mãos. E os pés também, prontos para voltar a caminhar.

(16.07.2007)

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Lembrete permanente

É bom ter valores. E não esquecer deles.
É bom se sentir bem com o que se diz e com o que se pensa.
É saudável se sentir coerente com a gente mesma.
É bom ter paz de espírito.
É bom ter coragem de buscar coisas que façam bem pra gente.
É saudável não levar desaforo pra casa, de vez em quando.
É bom argumentar quando a gente discorda.
É bom lembrar que nem sempre todos os ovos estão na mesma cesta.
É bom distribuí-los em várias cestas. Amigos, trabalho, amor. E distribuir bem, pra que não se perca todos de uma vez se alguma delas cair no chão.
É bom ter amigos bem escolhidos. E lembrar sempre do por quê a gente os escolheu.
É bom lembrar que não há feridas que não cicatrizem, se a gente estiver realmente a fim de se curar.
É bom confiar nas pessoas. E não há nada, nada mesmo, que pague ou substitua a confiança do sentimento.
É importante saber esperar. É válido tirar as provas.
É importante saber a hora e a precisão de caminhar.
E é bom voltar para casa. A casa da alma da gente, onde a gente mesma mora.
E ver que ninguém está sozinha consigo mesma, se o recheio da gente mesma vale a pena.

(13.09.2007)

domingo, 9 de setembro de 2007

Descontrol... pero cumplidora

Tem horas em que a gente se sente pequena. Parece que todo nosso aprendizado, todas as coisas que a gente passou anos tentando colocar na cabeça para ser alguém melhor, mais amadurecido, mais centrado, somem como por encanto. A gente volta a ter 5 anos de idade - ou 15, o que pode ser ainda pior - e todos os medos, inseguranças, carências invadem nossa alma de novo, com força total. A gente deixa de ver tudo de bom que está acontecendo à volta, as pessoas que estão do nosso lado, e as voltas por cima que já deu em relação a tantas coisas. Entra num redeominho que faz um scandisc não-desejado no nosso cérebro, e por um tempo a gente deixa de ser quem é, de fazer o que estava acostumada, de sonhar o que costumava sonhar. Manda a paciência às favas, dane-se que podia ser pior, eu sei é que podia ser melhor e por algum motivo eu não consigo chegar nesse melhor, por mais que eu nade, por mais que eu lute, a gente pensa.

Daí, no meio da tempestade, uma palavra, uma imagem, uma foto, um afago faz a gente lembrar dos tempos de paz que a gente abandonou. E por um momento, a gente percebe que tudo aquilo tem salvação: que há coisas maiores e mais belas esperando a gente. Mãos pra nos puxar na tempestade, nos sentar no canto do ringue e jogar um pouco de água fresca na nossa testa.

E a gente se sente aliviada por saber que há coisas que nunca mudam, gente querida que nos ama apesar e por tudo. A gente se sente como a criança que ganhou colo, que foi solta pra brincar na grama. E de repente, a gente quer a vida nossa, nossos sonhos todos de volta. Dá vontade de chorar. Mas a gente sabe que, depois que toda a chuva passar, não importem os efeitos da correnteza, sempre vai ter um lugar onde poderá respirar ar fresco. Sempre vai ter alguém te esperando pra te ajudar a dar outro passo.

Que bom ter esses presentes. Que bom poder lembrar, e saber que se pode renascer. :)

(09.09.2007)

sábado, 8 de setembro de 2007

Setembros

Depois dos tempos de adolescência, dei pra pegar birra desse mês, sem saber direito por quê. Sentia-me mal, numa espécie de limbo. O meio do ano já pelas costas, com suas festas, feriados, expectativas. O final do ano ainda por vir, com suas conclusões triunfais, balanços e concretizações. Chances reduzidas de pôr em prática o que ainda não tinha decolado. Ainda cedo para festejar qualquer coisa. Angústia de estar em lugar nenhum.

Foi assim em todos os últimos anos. Tentei vários recursos – nem férias tiradas no período ajudavam a reduzir a inquietação. Ano passado, porém, os preparativos da viagem, se não curaram a paranóia, pelo menos fizeram com que tudo passasse mais rápido. Na volta, já em finais de outubro, outra sensação me invadiria. Uma inquietação ainda maior, de não achar lugar no espaço, dessa vez. Olhava a decoração já montada para o Natal, que se avizinhava, e me sentia uma estranha. Para mim, depois de tantas reviravoltas na alma, um novo ciclo apenas começava. Que ares de final de festa eram aqueles?

E veio um novo ano. Cheio de surpresas, boas que se tornaram não tão pródigas, ruins que se tornaram um tanto melhores. E setembro me apareceu agora de um jeito acidentado, se aproximando sem que eu me apercebesse dele. Entro no mês com nova expectativa: para quem está afastada de tudo – ou quase tudo – ele vem com ares de volta para casa, uma volta vagarosa e tenaz.

A alma da gente é estranha: precedendo uma grande alegria, ano passado, meu setembro foi ainda pesado. O final do ano, sob a sombra da felicidade distante, quase um estranho em visita. Mas nesse ano, depois de tantos terríveis repentes, setembro chega com ar mais amável. E, tenho certeza, meu final de ano virá com jeito bem mais feliz.

(08.09.2007)