domingo, 16 de setembro de 2007

Desce o pano

Mãe, estou aqui.
Estou aqui de pés descalços, como convém.
Vim de alma lavada, na areia, na beira do mar.
Meus pés descalços estão em todos os lugares, na praia, no corredor de casa. Em lugares por onde já passei. E estão também no assoalho frio do banheiro, que visitei esta manhã.
Esta manhã, Mãe, enquanto o mundo dormia, me levantei e fui com meus pés descalços até lá.
Senti o chão frio e isso que me fez bem. Há tempos não sentia o frio com meus pés.
E depois da noite difícil, vi um pequeno pedaço do caminho indo embora.
Na manhã do chão frio, olhei meu rosto no espelho.
Depois, abri a torneira e lavei meus machucados todos. Lavei o rosto, o corpo. Deixei escorrer da alma qualquer coisa que não fizesse mais sentido. Todos os enganos, tudo que não prestava mais. Tudo que eu não sou, tudo em que eu não acredito.
Depois, ainda tonta, voltei para a cama. A cabeça doía. Mas estava mais leve.
Mas eu sabia que, quando o dia começasse, o mundo seria outro. E o caminho, ainda que difícil, seria mais claro.
Aprender pela dor é difícil, Mãe.
Mas quando se aprende, até as dores podem se transformar em bênçãos. Que marcam, mas que livram as mãos. E os pés também, prontos para voltar a caminhar.

(16.07.2007)

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