sábado, 29 de novembro de 2008

Casa

Quero andar de novo pelas minhas ruas
Ouvir os pássaros que às vezes não há
Contemplar o horizonte infinito
Por entre as luzes do entardecer
Caminhar sondando os prédios
Que alargam o olhar noturno
Quero beber da água da cidade
Nutrir a alma das buzinas que festejam
A oportunidade de estar viva
Agigantando o coração
E vencendo o gigante desafio.
Quero dobrar esquinas familiares
E descobrir mistérios insondados
Pelos olhos estrangeiros,
Rever a beleza ancestral
Sobrevivente no tempo futuro.
Quero escutar o sussuro da alma
De cura, perdição e busca
Que só os poetas e loucos escutam
Nas esquinas de concreto.
Quero amar olhares conhecidos,
Reconhecer palavras e sotaques,
Andar para casa e olhar pela janela
As luzes das salas de jantar.
Estou louca pra voltar.

(29.11.2008)

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

A Onda

A onda abraça, com seu corpo de espumas, as areias da praia. Molha de vida o solo, alegra os bichos que vivem sob a terra. O sol se reflete nela, formando pequenos diamantes. O mundo se alegra quando a onda banha as areias.


Depois a onda recua, com suavidade inexorável. Vai embora, sem que nada a possa deter. Segue seu curso, levando águas e vida de volta com ela. Mas deixa suas marcas inconfundíveis na areia - que fica brilhando, refletindo o céu, feliz por ter sido beijada pelas espumas do mar.


Logo mais, outra onda surgirá, trazendo de novo a vida e a luz, em forma de água, para as areias da praia. Enquanto espera, ela brilha e nutre os seres que ali se alegram com ela - fazendo parte do mar, do céu, do ciclo infinito da vida.


(26.11.2008)

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Eu demorei


Sinto até um frio na barriga em escrever aqui depois de tanto tempo. Há um semestre (my God) estou ensaiando articular aqui uma resposta ao lindo texto abaixo, escrito pela mana Taís em homenagem à minha mudança. A verdade é que, apesar de pensar nisso a todo momento, eu simplesmente não tinha idéia de como começar. O processo todo me deixou muda para impressões mais demoradas: foram muitas informações ao mesmo tempo, muitas mudanças, muitos recomeços. E para passar por eles, usei o truque de esquecê-los por um momento, de não ressaltar tanto o deslocamento geográfico. Mudar de bairro é mais fácil do que mudar de cidade, estado e região do país. E, enquanto eu não me adaptava ao novo "bairro", a solução foi pensar o menos possível no impacto que a mudança implicava. Continuo saindo para trabalhar todos os dias, continuo ligando para casa - a casa da minha adolescência - periodicamente, continuo trocando emails com as mesmas pessoas queridas (ainda bem) do início do ano. Os 1500 kilômetros que separam minha rotina da do semestre anterior são detalhe nesse mundo internético e globalizado.

Mentira, é claro. Uma mentirinha encenatória pra aliviar o receio de um imenso passo a ser dado. Mas o fato é que pensar assim tornou tudo mais fácil. Representando um pequeno teatrinho interior, eu consegui enfrentar a imensa realidade de abrir horizontes mais uma vez. Como quando, há doze anos, as vistas se alargaram assustadoramente diante da selva de concreto que invadiu minhas frágeis impressões adolescentes, e que me ensinou a ser gente de verdade. Como quando revi tudo que (não) sabia sobre a vida e reconquistei, a meu modo, a casa que um dia já tinha sido minha. São Paulo - roubando a frase de uma querida amiga, também vivendo longe das plagas paulistas - é meu latifúndio, minha terra-mãe e minha referência maior. Dar as costas para tal mar não é fácil, por mais fortes que sejam os instintos que te movam. Por mais que você saiba que a hora é aquela. Por mais belo e cheio de mistérios que seja o novo horizonte que se vislumbra.
*
E ele é mui belo, realmente. De uma beleza diferente, que meu olhar de moradora compara ao antigo olhar de visitante, tentando entender novos contextos. Uma vivência mais afastada dos estereótipos de antes, e mais aberta para a beleza verdadeira que faz um lugar - e que também é composta de suas incoerências, defeitos e carências. Durante esses seis meses em que já aqui estou, tive vontade de escrever sobre muitas coisas. Sobre coisas que tenho visto e aprendido, e também sobre coisas que me fazem lembrar, comparar, sentir saudades. Sobre o amor que sinto reforçado por esse imenso Brasil, de tão diferentes e fortes cores. Sobre aquilo que nos faz ser maiores como pessoas, e sobre aquilo que forma nossa identidade, que nos faz voltar pra casa ao sentir um cheiro, ver uma imagem.
*
Acho que, depois de tudo (ou no início de tudo), posso relembrar algumas coisas que redescobri. Redescobri a camaradagem, a amizade e a acolhida. Redescobri como é bom saber que as presenças queridas independem de tempo ou lugar. Redescobri como é amar a família que a gente escolhe. Redescobri como é ser forasteira, ser recebida ao invés de receber. Redescobri como é me perder, traçar novas rotas, e agradecer a boa-vontade de quem está ao lado. Reaprendi a respeitar a história e herança alheias.
*
Hoje, depois de conhecer mais uma vez novas histórias e heranças, posso dizer que me orgulho ainda mais por fazer parte também de uma história comum, que tenho alegria em compartilhar, ainda que aos poucos, com os que me rodeiam. Me sinto feliz em ampliar mais uma vez o tamanho da minha alma, provando novas maneiras de ver, sentir e viver. Não há beleza que se compare a conhecer um lugar e sua gente por dentro, por dentro da vida que os move. É a beleza assustadora que senti há doze anos, e que tanto me fez crescer, descobrindo mais sobre mim e meu próprio passado. Beleza que senti também em outras ocasiões, visitando passados milenares de outros viajantes dessa aventura gigante que compartilhamos.
*
E agora, mais uma vez, trilho um pouco do meu próprio presente e futuro conhecendo outras belezas. Bonito é partir, e mais bonito ainda levar tudo que amamos com a gente. E descobrir novos amores, belezas e horizontes, sabendo que, assim, basta um piscar de olhos, ou um ollhar para o lado, para se voltar pra casa.
*
A foto acima foi roubada do orkut do querido amigo Lu, que com olhos de poeta sintetizou aquilo que todo paulistano deseja: ver sua cidade livre, leve e solta, debaixo de um céu de brigadeiro. :)

(20.10.2008 - Pastel com Chimarrão)

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Fugas e alívios

Respirar ar de chuva.
Espreguiçar.
Livros.
Bons filmes.
Música.
Beber de uma golada, quando com sede.
Desculpa pra não sair.
Pretexto para sair.
Paralisar na frente da TV.
Travesseiro.
Remédio para dor-de-cabeça.
Edredon recém-lavado.
Táxi em dia de chuva.
Yoga.
Pé feito.
Bomba de chocolate.
Morango com chocolate.
Café.
Meias grossas.
Internet.
Boa conversa.
Acompanhada de chopp ou vinho.
Saldo na conta.
Reencontros.

(18.08.2008)

terça-feira, 15 de julho de 2008

Heranças

Eu tive um avô que me ensinou a falar "Guten Morgen" e "Guten Nacht". E tias que me acostumaram a gostar de "rosine" antes mesmo que eu soubesse que, na verdade, estava comendo uvas-passas. Minha mãe me dizia que era perigoso ir na "vöeschtele" sozinha, para evitar que eu entrasse no barracão onde meu avô trabalhava com madeira e causasse um acidente irreparável. E minha avó insistia que boas meninas falam "Danke schön" quando recebem um presente ou alguém lhes faz uma gentileza. E eu aprendi a falar tudo direitinho e repeti aquilo durante toda a minha infância, embora até hoje não saiba como se escrevem direito muitas das palavras que acabei de colocar aqui.

Eu aprendi que, no Natal, a gente deve botar um pinheirinho dentro de casa e pode decorá-lo com velas, mas elas são perigosas porque pegam fogo no resto, ou com bolachas, mas elas também são perigosas porque transformam as crianças em pequenos ladrões de enfeites de Natal antes da hora. Então, a gente decorava a árvore com as modernas luzinhas e bolas de plástico mesmo, embora o pinheirinho ainda fosse de verdade, e pinicasse se a gente sentasse muito perto dele. Ainda assim, como todo cuidado, colocávamos um presépio de papelão e os presentes ali embaixo, e continuávamos cantando as mesmas músicas na noite da ceia, e comendo dias antes as mesmas bolachas coloridas - dessa vez, roubadas de dentro do armário da cozinha, não mais da árvore.

Aprendi também que dá pra colorir ovos de galinha enrolando-os em cascas de cebola e em folhas de plantas, e deixando-os ferver por alguns minutos. No final, eles estarão cozidos e impressos com os desenhos das folhas, prontos para serem servidos na manhã de Páscoa. Antes dos chocolates, é claro, que nunca dispensamos - e que "conquistávamos" depois de procurar o esconderijo abastecido de ovos pelo "coelho" durante a noite anterior, no quintal.

Aprendi a entrar num galinheiro e descobrir quais galinhas tinham posto ovos, juntá-los numa cesta e levá-los pra dentro de casa - tudo isso sem sair do colo da minha tia. Aprendi a identificar o perfume de cheiro-verde na horta da minha avó, que ela protegia colocando no meio dos canteiros um pedaço de pau com um pano, à guiza de espantalho - enquanto eu ficava preocupada com a falta de criatividade daquele boneco, que desse jeito não ia espantar era nada.

Aprendi a trancar o portão da frente da casa, pra não entrar ninguém estranho, e a olhar dos dois lados pra atravessar aquela rua tão movimentada, guardando na lembrança uma remota imagem de quando ali em frente só havia árvores. Aprendi também a reconhecer o "bem-te-vi" que cantava de manhã, e que continuava ali com ou sem floresta fronteiriça - ou o barulho dos grilos que acompanhavam o final da tarde, num aviso meio agourento, colocando medo na gente de sair para o quintal escuro. Aprendi a montar cavalinho em pastor alemão e a me locomover de bicicleta sem derrapar no chão de terra.

Nada como ter alguém que nos ensine o que é essencial - aquilo que precisaremos usar todos os dias para viver uma boa vida.

(15.08.2008)

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Portão de escola

Sabe aquelas crianças que, no primeiro dia de aula (ou no segundo, no quinto, no décimo...), se agarram chorando ao pescoço da mãe e não soltam de jeito nenhum, como se fossem ser abandonadas pra sempre? Não adianta explicar pra ela que é só por algumas horas, e que nesse meio tempo ela vai "fazer coisas muito legais, desenhar com a tia, brincar com os amiguinhos". Não adianta tentar persuadir, prometer coisas, dizer que "a mamãe já volta". Não adianta dizer que você está logo ali e que no final do dia voltará para encontrá-la. A urgência (ou medo) dela é maior do que isso, do que qualquer parquinho, brinquedo ou lápis de cor.

Depois de inúmeros shows, a criança, já "mocinha" (tipo uns dois anos depois), começa a achar os pequenos "bobos" por não conseguirem ficar sozinhos na escola. A sensação vai aumentando até chegar àquele espaço de tempo que vivemos entre o ser filha e o ser mãe - geralmente entre os 20 e os 30 anos - quando a gente olha de soslaio para aquelas duplas adulto/criança na porta da escola e, num silêncio um tanto enfadado, pensa com nossos botões: "ai, que paciência".

Mas o troco vem rápido para esse pensamentos pouco budistas. Tem dias em que a gente, sem chegar à iluminação materna, volta aos dias de infante que pedia colo. Acorda com vontade de ter febre, só pra matar aula e poder ficar na cama, com alguém trazendo chazinho pra gente tomar. Não quer ficar na escola sozinha, olhando em volta e esperando a palavra que não vem. Mesmo que saiba que no final do dia alguém vai vir te buscar. O "antes da hora" que a gente inventou, e que não acontece, vai virando uma coisa meio pesada, doída no peito. E a gente vira menina que viu o pai indo viajar, e passa as horas num silêncio sentido, sem pensar nem no brinquedo que ele prometeu trazer. No fundo, queria mesmo é ganhar, bem agora, um abraço. E alguém que, com um carinho, viesse nos pegar no colo e nos levar pra casa.

(09.07.2008)

terça-feira, 3 de junho de 2008

A solidão é traiçoeira

E pega a gente numa esquina que se dobra de noite.
Numa hora-extra não planejada.
Num jantar solitário no fast-food.
Na não-ligação de alguém que, na ausência de um dia, já faz morrer de saudade.
Na ausência de semanas, que transparece quando toca uma música.
Na piada fixa que se pensa e da qual se tem que rir sozinha.
No conhecido que não puxa papo há meses, e te contata só pra perguntar uma coisa muito objetiva. Antes de sumir de novo.
No recado carinhoso de alguém que fazia parte dos seus dias, e agora faz parte das suas palavras.
Na ausência incompreendida de amigos do peito, para quem a distância não deveria importar.
No cheiro de bolo que não se sente.
No perfume de lugares que ainda não são seus.

(03.06.2008)

Com o tempo...

... estou esquecendo mais os números. E trocando-os na hora de anotá-los. E errando telefones e endereços de casas.
... ando trocando nomes, como minhas tias, e provocando gafes inexplicáveis e únicas.
... desenvolvi o gosto por esmaltes escuros.
... também pela cor vermelha.
... estou repensando o desejo de ter um gato (apesar de continuar gostando deles).
... não tenho sentido tanto frio quanto imaginava que iria.
... me importo menos com a indiferença alheia.
... com os surtos também.
... dependo mais, emocionalmente, de quem eu gosto.
... sou mais agradecida.
... sou mais impaciente.
... perdi a gana de voltar a aprender música.
... desenvolvi o gosto por atividades físicas (leves).

... demoro o triplo para terminar de ler um livro.
... teorizo mais.
... como mais de uma vez só.
... consigo ficar ainda menos tempo sem chocolate.
... desenvolvi o gosto por café puro.
... meu lado Libra impera na perfumaria.
... e o Caprica no vai-ou-racha.
... me sinto pior ao negar uma esmola, se me pedem.
... faço menos trabalho voluntário, por falta de tempo.
... não consigo mais me adequar ao gosto "da galera".
... digo mais o que penso.
... travo mais ao me calar.
... sinto mais tudo aquilo que sinto.


(03.06.2008)

terça-feira, 8 de abril de 2008

30 anos

Dormir cedo em dia de sábado. Com gosto e sem culpa.
Conseguir dormir até tarde e ficar feliz por isso.
Perder pudores. Vários.
Se sentir realmente dona da sua própria casa.
Fazer planos. E novos planos. E muito pelo contrário.
Esquecer o que não presta.
Lembrar, de vez em quando, só pra esquecer de novo.
Ter preguiça de cumprir horários.
Tomar remédio, não poder beber e cumprir a determinação.
Marcar uma balada com duas semanas de antecedência.
Trocar a balada por filme + cobertor + pipoca.
Fazer baladas em casa.
Beber menos.
Comer mais.
Embaralhar as refeições.
Ter pensamentos contraditórios sobre a perspectiva de ter filhos (se você ainda não os têm).
Alternar fases afetivas descontrol com fases "morra, que não vou nem olhar".
Se surpreender em ver aquele amigo do seu irmão mais novo de casamento marcado.
Não se surpreender (tanto) em ver casamentos "supersólidos" terminando.
Demorar menos para se irritar com o trânsito.
Se espreguiçar e ver que tem muito mais coisas querendo voltar ao lugar do que antigamente.
Querer voltar a fazer exercício.
Não saber de onde veio aquela barriga.
Lembrar como você era besta no tempo da faculdade.
Lembrar como era bom o tempo da faculdade.
Olhar pela janela e lembrar de quando você tinha medo do mundo. E, ao mesmo tempo, ainda achava que podia conquistá-lo inteirinho.
Sentir saudade dos vinte e poucos anos.
E sentir, também, certo alívio porque já passaram.
Sentir culpas já vencidas, de vez em quando.
Lembrar velhas músicas.
Reciclar antigas idéias.
Rever velhos e bons amigos. E ver que, felizmente, o tempo não passou.

(08.04.2008)

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Aurora


Já sinto o cheiro do novo no ar. Ele está vindo, com seus raios a iluminar a terra, as nuvens de nossos pensamentos, de nossa alma, de nossas expectativas. O que está cá dentro, no coração de cada um, cobra nascimento e procura espaço para florescer. É ele, de que tanto se falou, pelo qual se festejou, se esperou e comentou. Ele surge agora. Ele: um novo dia. Mais um dia, um dia inteiro, 24 horas novinhas, que chegam com todo o seu mar de possibilidades.

Esse é o ciclo que começa: um novo dia. Todos os dias, todos os meses e todos os anos. O momento que chega é nosso tesouro. Que os dias que anunciamos saltem a nossos olhos, trazendo força para nossos braços e energia para nossas pernas, para que possamos construir e caminhar rumo ao novo. Porque o novo pode nascer todos os dias. Com a beleza do sol que clareia nossa aurora.

Feliz Novo Dia!

Madrugada camponesa,
faz escuro ainda no chão,
mas é preciso plantar.
A noite já foi mais noite,
a manhã já vai chegar.

Não vale mais a canção
feita de medo e arremedo
para enganar solidão.

Agora vale a verdade
cantada simples e sempre,
agora vale a alegria
que se constrói dia-a-dia
feita de canto e de pão.

Breve há de ser (sinto no ar)
tempo de trigo maduro.
Vai ser tempo de ceifar.
Já se levantam prodígios,
chuva azul no milharal,
estala em flor o feijão,
um leite novo minando
no meu longe seringal.

Já é quase tempo de amor.
Colho um sol que arde no chão,
lavro a luz dentro da cana,
minha alma no seu pendão.
Madrugada camponesa.
Faz escuro (já nem tanto),
vale a pena trabalhar.
Faz escuro mas eu canto
porque a manhã vai chegar.

(Thiago de Mello)

(03.01.2008)